Um carro foi incendiado por bandidos na Linha Amarela durante operação das polícias Civil e Militar no Complexo da Maré, considerado um centro de distribuição de cargas roubadas — Foto: Gabriel Paiva / Agência O Globo
Roubo de cargas no Rio com matérias-primas estariam sendo encomendados por empresários para abastecer suas indústrias
Data
10/Dez
Apesar da queda de roubos nas rodovias fluminenses, uma mudança de foco dos bandidos ligou um sinal de alerta para os investigadores.
Uma nova modalidade de roubo de cargas está sendo investigada pela Polícia Civil no Rio, já que o crime quase dobrou nos últimos meses no estado. Usado historicamente por fações criminosas para custear suas atividades ilegais e guerras expansionistas, esse tipo de assalto pode ter agora um outro ator: os próprios empresários. Apesar da queda de roubos nas rodovias fluminenses, uma mudança de foco dos bandidos ligou um sinal de alerta para os investigadores. As quadrilhas têm escolhido caminhões que transportam matérias-primas para indústrias, como derivados plásticos e ferro silício — usado na fabricação de aço.
O envolvimento de empresários é investigado pela Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC). Segundo os policiais, por serem produtos de venda restrita, a suspeita é que empresários estejam encomendando a carga a ser roubada e, em alguns casos, estariam pagando um valor antes mesmo de o crime acontecer.
— Antigamente, as cargas visadas eram as de biscoito, cerveja, coisas que eram facilmente vendidas nas próprias comunidades. De um tempo para cá, temos vivido episódios incomuns, envolvendo produtos que não são vendidos por ambulantes ilegais. São produtos encomendados, como polietileno, ferro silício e até caminhão Munck (usado para operações como descarga e içamento). Esses produtos só são roubados porque há quem os compre — afirma Filipe Coelho, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio.
Receptadores qualificados
Gerente de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Rio, Isaque Ouverney concorda:
— Quando um ativo que não é para consumo final é subtraído repetidas vezes, isso indica que há receptadores qualificados para esse material. A ostensividade e a presença das forças de segurança nas rodovias são fundamentais. Porém, para esses casos, em que existe um receptador específico, é essencial investir na investigação para desmantelar a quadrilha como um todo, impactando a cadeia do roubo de carga.
Ontem, as polícias Civil e Militar fizeram uma operação no Complexo da Maré, na Zona Norte, para combater os roubos de cargas e veículos. Dois suspeitos foram mortos em confronto, e uma mulher inocente foi baleada e não resistiu. De acordo com o secretário de Segurança Pública, Victor Cesar dos Santos, cargas com material derivado do plástico já foram recuperadas no Parque União e na Nova Holanda, na Maré. O local é considerado pela polícia um centro de distribuição de cargas roubadas, assim como os complexos do Alemão e da Penha e as favelas do Chapadão e de Manguinhos.
Em julho, a Polícia Militar conseguiu impedir que dois criminosos armados roubassem uma carga de polietileno avaliada em R$ 300 mil, na altura de Manguinhos. Para o secretário, é importante que as investigações não parem no flagrante, a fim de descobrir quem são os receptadores:
— A nossa conversa com a Polícia Civil é para tentar com a Justiça medidas administrativas contra essas pessoas. Fazer com que esse empresário perca o alvará, seja penalizado com bloqueio de bens e não consiga abrir novas empresas.
Prejuízo de R$ 164 milhões
Apesar de os roubos de mercadorias não finalizadas terem chamado a atenção dos investigadores, os alimentos e eletrônicos ainda são as cargas mais levadas por criminosos no estado. Segundo levantamento da Firjan, só até agosto, a perda estimada com esses crimes já superou R$ 164 milhões, sem contar os custos com seguro, escolta e tecnologia para prevenção de crimes.
Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, este ano, o Estado do Rio registrou 2.518 roubos de cargas até o fim de outubro, uma queda de 9% em relação aos primeiros dez meses de 2023. Mas no último trimestre disponível, de agosto a outubro, foram 1.045 casos, um salto de 96% na comparação com o mesmo período do ano passado.
As cinco delegacias com o maior número de registros no ano, até outubro, foram: 60ª DP (Campos Elísios), 59ª DP (Caxias), 21ª DP (Bonsucesso), 54ª DP (Belford Roxo) e 64ª DP (São João de Meriti). Todas são atravessadas pelas principais rodovias fluminenses — Washington Luís, Avenida Brasil, Presidente Dutra e Arco Metropolitano — e ficam perto de importantes polos industriais.
De acordo com Eduardo Rebuzzi, presidente do Conselho Empresarial de Logística e Transporte da Associação Comercial do Rio, as empresas gastam cerca de 15% da receita para tentar prevenir esses assaltos.
— As transportadoras fazem o que está no limite delas, que é investir em tecnologia, rastreamento de veículo, bloqueadores, diversos tipos de blindagem. E é óbvio que esse custo vai para o consumidor. Fora que ainda há uma taxa, chamada de emergência excepcional, que adiciona 1% na nota fiscal para cargas com destino ao Rio ou de origem do Rio — explica ele.
Logística do crime
Segundo o delegado Fábio Asty Dantas, titular da DRFC, os roubos de carga são articulados e efetuados por quadrilhas especializadas que integram as facções do tráfico:
— Há facções criminosas que têm gerentes de roubos de cargas e de veículos atuando com estrutura ordenada e especializada voltada para a abordagem. Eles levam os motoristas sequestrados para o interior das comunidades, fazem o transbordo das mercadorias e depois liberam. Mais de 80% dos roubos de cargas no estado tem esse modo de execução.